domingo, 9 de junho de 2013

O Ícone da Santíssima Trindade de Santo Andrei, Iconógrafo


Origem

Ao longo do período das perseguições (até o século III) e imediatamente após ele, as comunidades cristãs buscavam representar os elementos centrais de sua fé. Sua gênese remonta a tradição oral e, depois, a publicação dos Evangelhos de Lucas e João, escritos na segunda metade do século I.

Uma das grandes controvérsias iniciais do cristianismo foi a organização da Santíssima Trindade, a ordem em que cada Elemento (Pai, Filho e Espírito Santo) deveria aparecer e até mesmo se o Filho era de mesma natureza que o Pai. Jesus, já em seu sermão aos apóstolos no Cenáculo, chama-lhes a devida atenção quanto à existência de três Entidades Divinas compondo uma só pessoa e uma única personalidade, convidando toda sua Igreja a viver nesta mesma vida trina. O que faz do Novo Testamento o lócus por excelência para a fixação da Santíssima Trindade.

Não obstante a estes fatos, o texto basilar tomado pelos primeiros cristãos à reflexão teológica acerca da Trindade localiza-se em Gênesis (18, 1-15), onde Moisés relata que Abraão recebe em sua casa três homens, transformados pela tradição cristã em três anjos, permanecendo – porém – o tipo ideal da natureza trinitária. Eis a primeira questão a ser abordada: como se chegou à conclusão de que aqueles três homens revelados a Abraão tomariam um sentido trinitário sagrado? É São Paulo que dá um significado cristão à vida de Abraão e o estabelece um lugar na soterologia neo-testamentária, transformando um simples gesto de hospitalidade em um evento além dele, sublinhando não apenas que aquela anunciação não se restringia apenas à notícia de que Isaac nasceria, mas sendo também a visão da própria Encarnação do Filho de Deus. (GI3, 6; Rm 4,3: Ef 1, 3-14)

A influência dos Padres

O conceito trinitário, bem como sua tradição, demandou um período bastante elástico para se estabelecer e se estabilizar. Começa ainda dentro da fé judaica e ganha força com os Padres da Igreja, que passam a compreender o gesto de Abraão como o reconhecimento a uma manifestação de Deus – o primeiro testemunho que evoca os três anjos provém de Justino, morto em 165. Mas é só depois do Concílio de Nicéia (325) que a Patrologia, oriental e ocidental, aprofundará a teologia da Trindade. Eis o que representa, no seio do Cristianismo, a aparição dos três homens segundo o 18º. capítulo do Gênesis. É também dessa fonte da tradição que a iconografia irá se nutrir.

A partir do século IV, os grandes impulsionadores sobre os dogmas da Trindade são os Padres Capadocianos, notadamente contra o arianismo e em favor daquilo que se chamou de economia da salvação, ou seja, o plano eterno das três Pessoas Divinas de salvar o mundo.

A Iconografia Cristã

Algo que deve estar bem claro é que, embora o conceito sobre a Trindade seja uma das colunas mestras do cristianismo desde sua gênese, sua representação iconográfica é muito rara, praticamente inexistente, no primeiro milênio da arte cristã.

Uma das raríssimas representações desta passagem bíblica em especial, datada da primeira metade do século IV foi encontrada, em 1955, nas catacumbas da Via Latina, em Roma, mostrando Abraão a receber os três jovens. Nela, o trio é representado uniformemente, tanto nas vestes quanto no gestual, representando identidade perfeita entre seus componentes, o que evidencia a intenção do autor da obra em não apenas ilustrar a passagem do Gênesis, mas interpretá-la segundo a visão cristã.

Já nos séculos seguintes, V e VI, outras obras voltam ao tema: primeiramente, um mosaico montado na Basílica de Santa Maria Maior; depois, em Ravena, São Vital (aproximadamente em 547) ilustra a refeição oferecida por Abraão às três personagens, aproximando a leitura do evento ao sacrifício do Cristo e da celebração da Eucaristia. Esta última obra é, até o presente momento, a mais antiga representação iconográfica de expressão da unidade divina e, também, configura a concepção da ceia que servirá de modelo à posteridade, inclusive a Leonardo da Vinci.

A partir destas obras, à luz da interpretação dos Padres orientais e ocidentais e que evoluem no espaço e no tempo tanto em riqueza quanto em complexidade, o fiel também incorpora ao seu arcabouço religioso os mistérios trinitários. É neste contexto de expansão que encontraremos a obra de Rublev.

O ícone de Andrei Rublev

Andrei Rublev, com data de nascimento incerta – entre 1360-1370 – viveu em um período que, ao mesmo passo que era rico sob diversos aspectos, também mergulhava-se em tumultos sociais e políticos. A vitória Russa sobre os Mongóis no oriente em 1380, na batalha de Koulikov, acentuou nos russos o sentimento de liberdade e nacionalismo, bem como voltava seus olhos para Moscou. Este também foi o período em que o monaquismo experimentou grande desenvolvimento no oriente, fazendo com que as artes e a própria expressão cultural tivesse nos mosteiros senão seu ponto principal, certamente um de seus principais pilares.

O nome de Rublev é citado pela primeira vez nas crônicas da reforma e decoração da Catedral da Anunciação em 1405, no Kremlin, em Moscou, conduzida por Teóphanos, o grego. Todavia, não será Teóphanos seu grande mentor, mas São Sérgio de Radonej.

Radonej é um dos santos russos mais populares e é um dos grandes responsáveis pelo florescimento espiritual e cultural russo de sua época. A vida do santo confunde-se com a contemplação e o estudo dos mistérios da Santa Trindade, levando-o a desenvolver orações e serviços humanitários. Segundo testemunhas, sua humildade era tamanha que era impossível não se influenciar por ela, mesmo que o contato com São Sérgio Radonej fosse de poucos minutos. Exemplo disso – enfatizam seus cronistas – era que, para aliviar do trabalho outros monges, assumia para si as tarefas mais difíceis e partilhava o seu de pão com um urso selvagem que o vinha visitar.

Como principal obra, dedicou-se à construção da igreja da Santa Trindade, fundada por Santo Aleixo, então metropolita de Moscou. Lutou ao longo de sua vida para tornar a unidade divina exemplo ao corpus da Igreja e dos agentes públicos de sua época. Para tal, buscou aproximar príncipes feudais inimigos e deu sua bênção ao príncipe Dmitri de Moscou antes de sua investida contra os mongóis, predizendo a sua vitória. São Sérgio faleceu em Setembro de 1392, sendo aclamado o padroeiro da Rússia e deixando um grande número de discípulos.

O ícone da Trindade

Andrei Rublev foi contemporâneo de São Sérgio e viveu como monge do mosteiro de Santo Andrônico, em Moscou e, se não conheceu o santo pessoalmente, é muito provável que tenha tido contato com seus discípulos diretos que buscavam dar continuidade à prática de seus ensinamentos acerca dos princípios de humildade, amor, despojamento e solidão contemplativa, invariavelmente orientada pelo aprimoramento espiritual e em união com Deus pela oração contínua, devolvendo ao mundo a piedade e o amor ao próximo.

Rublev, juntamente com seu amigo de infância, Daniel, o Negro, são sempre descritos pela tradição russa como sendo “homens perfeitos em virtude”, cheios de fé, alegria e luminosidade. Segundo eles, a arte está unida à santidade, tanto é que, sempre que podiam, ficavam observando e comentando os ícones das igrejas próximas ao mosteiro onde viviam. A partir deste princípio, levaram uma vida extremamente religiosa, contemplativa e voltada à observação, estudo e produção de ícones ricos em simbologia e significado teológico.

Rublev e Daniel trabalham juntos em 1408, quando decoram a Catedral da Assunção, em Vladimir.

Após isso, cerca de 1422, um dos discípulo São Sérgio os convida para irem viver no Mosteiro da Trindade, reconstruído sobre as cinzas da antiga construção em madeira, incendiada pelos mongóis em um ataque, com a finalidade de decorá-lo com seus ícones. Eis o momento em que vem à luz o tão conhecido ícone da Trindade.

Este ícone, desde sua primeira exposição, provocou tamanha veneração por parte de religiosos e fiéis leigos que a Igreja da Rússia publicou um decreto no Concílio dos “Cem Capítulos”,de 1551, incentivava outros iconógrafos a replicarem a obra de Rublev, declarando-a, a partir de então. Ao finalizar os cânones iconográficos, este Concílio reconheceu o ícone da Trindade como o modelo perfeito a ser seguido pelos demais  ícones.


Rublev nasce para os céus aos 9 de Janeiro de1430 e é canonizado em 1988 sob o nome de Santo Andrei, Iconógrafo. Sua data festiva é o dia 4 de Julho.

Santo Andrei, Iconógrafo

Fiquemos com a paz de Deus Pai, Filho e Espírito Santo +

Nenhum comentário:

Postar um comentário